segunda-feira, 13 de julho de 2009

Esteira de espuma

Uma viagem marítima tem um sabor único; entre mar e céu, “cavalgando” as ondas, o navio segue o seu rumo. Minuto após minuto, hora após hora, dia após dia, aparentemente “um cavaleiro errante”, a nave imensa “traça” sua rota!
Alheia à máquina que navegava, cruzando o oceano, a vida fervilhava, fazia nascer encontros, conhecer novas pessoas, ensaiar um novo idioma – no navio viajavam cidadãos espanhóis e italianos, enfim, uma cidade em miniatura que só não fazia esquecer os laços familiares e sentimentais que ligavam o Manoel à sua ilha e à sua gente.
Da amurada do barco, vira desaparecer, à distância, primeiro, seus pais que estavam na sua despedida, a sua cidade e, por fim, as montanhas que, em anfiteatro, cercam o burgo.
À medida que o navio avançava para o alto mar, desapareciam entre a neblina rarefeita, os últimos picos das montanhas. Um último apito, o último silvo, triste, pungente, dava o toque de despedida. Dificilmente encontraremos uma simbiose tão estranha como esta em relação à saudade e distância que aumentava mais e mais...
Uma dor difícil de amainar permaneceu assim, por horas, no coração de nosso personagem.
Mas, o ritmo da aventura, sem desligar seus laços ancestrais, dava o tom à vida, ao bulício que se antevia para seu futuro!...
O navio singrava rumo à América do Sul. A bordo, mais de 3000 passageiros, uma pequena cidade flutuante que se esparramava pelos conveses, corredores, beliches, piscinas, salas de jogos, refeitórios, cinema, etc. À popa, havia mesas de ping-pong onde se aglomeravam alguns passageiros disputando partidas animadíssimas.
A monotonia da viagem era quebrada por alguma onda mais forte que balançava desmedidamente o enorme navio de cerca de 200 metros de comprimento. Na sua esteira, como que abrindo o mar em dois, um rastro de espuma branca estendia-se por entre as águas azul-esverdeadas que se confundiam com os matizes infinitos do fimamento.
A princípio, o rastro prateado, espesso, leitoso, parecia não se desfazer. À medida que se distanciava o barco, refazia-se o mar como que diluindo os pensamentos do Manoel, pensativo e ainda com saudades apertando o peito. Olhando a espuma que, sabia, indicava o rumo da sua ilha, uma lágrima confundia-se na sua memória, incisiva e persistente, não deixando no olvido a família que lá deixara e, em última análise, as fortes lembranças de sua meninice!...
O mar era o elo. Ao mesmo tempo em que “cortava” seu cordão umbilical, fazia-o homem e a cuidar-se de se próprio; e, na rota para o sul, uma cidade flutuante, cheia de vida, o apartava dos seus e se via em um solilóquio que teimava em não desaparecer...

Eleutério Sousa

Sem comentários: