segunda-feira, 15 de setembro de 2008

DESERTIFICAÇÃO NO CABO


São poucos os habitantes no sítio do Cabo, na Ponta do Pargo. A par da saída dos poucos jovens, assiste-se ao abandono do cultivo dos poios por parte daqueles que deixam de ter vontade para continuar a cultivar. A erva cresce no campo que outrora já foi produtivo. Hoje são visíveis as placas com a inscrição "vende-se".

Seguindo pela estrada, que faz a ligação à pequena povoação, nota-se aqui e ali algumas vacas pastando por entre alguns pereiros. São 14h45, o carteiro acaba de chegar quebrando o silêncio.

Além do carteiro, gente, nem ver. Uns metros mais adiante, encontrámos Manuel Pereira, de carro de mão e a limpar os cantos da estrada. "Sou cantoneiro" de profissão da Câmara Municipal.

"A esta hora, estão todos dentro de casa a assistir à novela", diz. Ainda assim, assegura que "não vive muita gente aqui e os que vivem têm a mesma idade que eu", assegura passando a mão pela cabeça.

"Demasiado calmo até" "Isto é calmo, demasiado calmo até", sublinha. E de facto é. Talvez por isso, garante o ancião, "alguns senhores do Funchal estão a comprar alguns palheiros ou terra para construir casa de férias. Se gosta de tranquilidade não há lugar melhor do que este".

Mas o nosso propósito era outro. Ouvir testemunhos e saber como é viver neste lugar recôndito e pacato do extremo Oeste da Região. À procura de quem nos pudesse relatar o quotidiano no sítio do Cabo todas as intenções saíam frustradas. Todas em vão. Não desistimos, arriscámos, chegámos inclusive a bater à porta para saber de algo mais. Por entre a brecha da porta, nota-se alguém receoso. De repente, a porta volta a fechar-se. Resignados, voltámos ao ponto de partida, voltando à conversa com o senhor Manuel Pereira. "Outra vez aqui? não encontrou ninguém para lhe falar", questiona com um largo sorriso na cara.

"Aqui há muitas pessoas são cuidadosas, ouve-se muitas coisas de muita maldade por esse país fora e se não conhecem é mais difícil falar", explica. Manuel Pereira que vive noutro sítio da freguesia da Ponta do Pargo, na Ribeira da Vaca, afirma igualmente que "ainda são alguns que gostam de ter uma vaquinha para tratar". "Antes quando se podia ter na serra havia pessoas que chegaram a ter várias cabeças de gado. Agora, a coisa complicou-se e para se ter uma vaquinha no palheiro é preciso fazer muitos papéis", lamenta o ancião.

40 minutos de autocarro

O Cabo é o limite do concelho da Calheta. "Para ir daqui à Calheta pela estrada antiga levamos 40 minutos", o ar de espanto da cara do repórter faz Manuel Pereira, questionar: "É muito não é. Vá que o preço do bilhete até nem é caro. Uma ida são €1,40", diz.

Normalmente as pessoas vão ao centro administrativo para tratar de assuntos relacionados com as finanças ou de outras coisas na Câmara, ou até para ir ao cabeleireiro, conforme aponta.

Aqui não há nem uma mercearia ou sequer um pequeno café onde a comunidade possa juntar-se. Só no sítio ao lado, na Lombada Velha, existe a Carreta, um restaurante de onde se vê a pequena povoação. Mais abaixo, a capela isolada, erguida em 1950, serve segundo Manuel Pereira com ponto de referência dos barcos que passam ao largo da Ponta do Pargo. "O templo é como um marco", frisa.

Os emigrantes contam-se pelos dedos. Manuel Pereira que conhece todas as caras da comunidade, avança que "ainda há pouco tempo veio um e fez uma casa. É dos poucos que arrisca ficar", afirma. De resto, a traça das casas é de aspecto antigo e sem janelas viradas para Norte. "O frio no Inverno chega aos ossos e os antigos não se atreviam a abrir gateiras para a serra", afiança.

Fonte: DIÁRIO

Sem comentários: