terça-feira, 18 de março de 2008

A Ponta do Pargo, segundo César Augusto Pestana

A nova estrada distrital Prazeres-Ponta do Pargo, inaugurada há dias, veio revelar aos olhos dos madeirenses e dos turistas uma das regiões da Madeira mais deslumbrantes em paisagem e em costumes – e até agora inacessíveis ás «forças motorizadas» da civilisação!
Poucos funchalenses conhecerão essa fértil região de pinheirais e de culturas agrícolas, de magnifico sol e ar sadio das serras debruçadas sobre colinas; das casas de colmo soleirentas e dos carros de rodas, cantadores, carregados de montanhas de feiteira com os seus ramalheiros de francas …

Ponta do Pargo!
Que edílica paz!
Vacas pachorrentas lavrando os campos de trigo.
«Vilôas» com suas saias listradas de vermelho e de lenços multicolores, cantando pelas cumieiras da serra, na apanha da lenha, ou pelas ribanceiras aos carriços para as cabras e suas ovelhas; ou pelas beiras da rocha, á erva p’ras ligeiras e «bragadas» - lindas vacas leiteiras tratadas familiarmente - «a mim «morena», aqui «castanha» …
Moças cantando canções de amor e de saudade ou o charamba da serra.
Pelas ribeiras soluçam as águas correntes e trovam as moçoilas feiticeiras – faces rosadas pelo sol e pelo ar sadio dos pinheirais, frescas, brejeiras, com as suas blusas coloridas cheias de seios maduros como pêro maduros …
Pelos beirais das casas revolteiam pombas; pelos carriços cantam os pintasilgos; e as casa de colmo ao entardecer fumegam do amanho das ceias, lembrando incêndios dispersos na paisagem. Pelos portais e pelos terreiros, à soleira das portas, ou á beira das ribanças, velhinhas velhas de viver, continuam fiando com o seu fuso ligeiro e sua roca de cana; e as lãs das ovelhas são cardadas junto ao tear.
E a tecedeira, tece que tece e

«A dobadoira gira gira, gira,
A dobadoira alegre vai girando
Na ância de dobar em que ela gira
Só tu é que a deténs de vez em quando!»

Nas noites de luar, os Franciscos mai’los Antoinos, com suas sanfonas e violas de arame, vão trovando ás moçoilas um rústico charambra de amor…
E as aguas cantam nos tornadoiros; e revoadas de pintasilgos escurecem os ares e bucolisam a paisagem; e as levadas conduzem o sangue da terra, a terra que dá o pão com o suor do corpo; e ouve-se o som cavo das enchadas pelos milheirais, e as ovelhas balando pelos ribeiros.
E trilham os ralos e os grilhos pelos silvados …
E pelos campos de trigos maduros começam as ceifas. Ranchos de raparigas retoiçam pelos restolhos à hora da sexta.
E as ceifeiras, de foice no ar ceifam as cearas cantando gestas … E o Maio das giestas floridas, das carquejas em flor! …
E os «aposentos» à beira da porta, cheios de batatais e de maçarocas de milho! E que «semilha»! E que é «sercial»!
Pelas eiras, os manguais, malham que malham em riba das maunças de centeio, e as raparigas aos ranchos descantam nas debulhadas.

(…)

In, A Madeira – Cultura e Paisagem, PESTANA, César A. 1985 Pág. 125-127

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